Loucos por sanfona
Começa hoje (12), na Casa do Núcleo, em São Paulo, o 1º Encontro da Sanfona. O evento acontece até sábado (14), reunindo músicos e profissionais ligados a este instrumento que mostram em oficinas, rodas de conversa e shows suas ricas e distintas experiências.
O Música em Letras esteve no local onde acontece o encontro e entrevistou Lulinha Alencar, compositor e instrumentista, que explicou como será o evento.
Leia, a seguir, quem é Alencar que, além de curador deste projeto, é músico superdedicado à sanfona e autor de um dos melhores discos em homenagem ao centenário de Luiz Gonzaga (1912-1989),“Cem Gonzaga”.
Assista, no fim do texto, aos dois vídeos em que Alencar gravou com exclusividade para o Música em Letras duas de suas músicas: “Cem Gonzaga” e “Xote Pa Nina Ninar”.
PAI DA IDEIA
Pouca gente tem ligação tão forte com a sanfona, para arregimentar um encontro deste naipe, como Lulinha Alencar, 36. Nascido em 13 de dezembro, em Rafael Godeiro, sertão do Rio Grande do Norte, localidade anteriormente conhecida por Várzea da Caatinga, o sanfoneiro veio ao mundo no mesmo dia em que Gonzagão, dia de Santa Luzia. “Brinco que meu nome, Luiz, é por parte de mãe, por conta de Santa Luzia, e por parte de pai, por causa de Luiz Gonzaga”, contou rindo.
Há 12 anos, Alencar mora em Santos, litoral de São Paulo, e há 15, toca sanfona. Entretanto, o artista é músico profissional há 21 anos, pois tocava em bailes acompanhando o pai, também sanfoneiro, atacando de zabumba, triângulo e teclado pelos sertões e cidades vizinhas de sua região. “Tocava forró pé de serra mesmo. Depois, fui para Mossoró e ganhei um tecladinho de meu pai, antes da sanfona”, disse o instrumentista que acaba de retornar de uma viagem pela China, mais um entre tantos lugares do mundo onde já mostrou e “causou” com sua arte.
CD “CEM GONZAGA”
Seu primeiro e único disco, “Cem Gonzaga”, um primor, levou tempo para ser feito. Aproveitando o centenário do Rei do Baião, em 2012, Alencar decidiu gravar, em 2013, uma homenagem a Gonzaga, com 13 faixas relembrando as músicas de 1940 a 1943 do mestre. Fora as faixas “Cem Gonzaga”, de Alencar, e “Catimbó”, de Carneiro Filho e Vasco Gomes, todas são de autoria de Gonzagão.
Com a morte de Dominguinhos (1941-2013), Alencar resolveu estender a homenagem acrescentando, na bolacha, mais duas músicas: “Meu Último São João”, de sua autoria, e “Sanfonizador”, uma improvisação de Dominguinhos que aparece como trilha no filme “O Milagre da Santa Luzia” (2008), roteirizado e dirigido por Sérgio Roizenblit. “Convivi um tempo com Dominguinhos, depois que cheguei em São Paulo, e compus uma música em homenagem a ele para lembrar o último São João que fizemos juntos em homenagem ao Gonzaga, em 2012, tocando durante um mês pelo Nordeste”, falou Alencar que, além de inserir a música como faixa bônus no disco, mostrou sua criação para o próprio Dominguinhos, no hospital, dias antes de sua morte.
ENCONTRO
O encontro é direcionado a sanfoneiros ou simpatizantes do instrumento. Misturar as gerações de sanfoneiros é o mote principal para que o público tenha uma visão mais ampla sobre a sanfona. “Queremos mostrar sanfoneiros jovens, atuantes há algum tempo e os mestres”, disse Alencar, que conta com a experiente sanfoneira Maria Odila, 80, que tocou em várias rádios e gravou com o regional do violonista Canhoto da Paraíba (1926-2008).
Todos os dias, o encontro promoverá uma oficina, entre as 15h30 e 18h; uma roda de conversa, entre 18h30 e 20h; e por fim um show que se inicia às 21h. (veja programação completa no fim da matéria)
SANFONADA INICIAL
A primeira oficina traz, de maneira interativa, o sanfoneiro Gabriel Levy, que conta a história das sanfonas no mundo, utilizando seu instrumento para melhor sonorizar as ideias. “Levy, além de muito eclético, é um pesquisador estudioso e admirável desse instrumento. Um músico que sempre buscou saber a origem do acordeon, seus tipos, e quem os toca”, disse Alencar.
Na roda de conversa, três músicos excelentes e muito experientes. Todos já tocaram em vários festivais de música no Brasil e no exterior, além de acompanharem vários artistas e músicos famosos. Guilherme Ribeiro, 32, é de Santos; Thadeu Romano, 34, de Campinas; e Mestrinho, 26, é de Itabaiana, Sergipe. Por terem nascido em lugares diferentes e amealharem experiências distintas, cada um deles apresenta sonoridade, técnica e estilo próprio.
Esta roda é uma ótima oportunidade para que o público tenha acesso a uma espécie de radiografia de cada músico antes de assisti-los e assimilá-los musicalmente durante show que os reunirá no fim do dia. “Cada músico dispõe de 20 a 25 minutos para mostrar seu som. No final, talvez eles toquem juntos. Deixei-os à vontade para decidirem,na hora, se isso vai acontecer”, disse Alencar.
SEGUNDO DIA
Conversa de Sanfoneiros é o nome da oficina deste dia, promovida pelo curador do evento, Alencar. “É uma oficina mais aberta. Serve para as pessoas, com seus instrumentos, dizerem o que esperam, como tocam e que caminho querem seguir com a sanfona. A partir disso, criaremos uma oficina juntos”, disse o músico que promete sanar dificuldades e dúvidas, compartilhando informações e demonstrando caminhos para se tocar melhor o instrumento.
Na roda de conversa, três músicos jovens, todos paulistanos, demonstram suas habilidades, diferentes estilos e as buscas que realizam com seus acordeons. São eles: Cosme Vieira, 18; Pablo Moura, 19; e o caçulinha, Joquinha, 15. Os três têm a mesma gana de tocar e dois deles nasceram em berço de fole.
Joquinha é filho de Tio Joca, músico do consagrado Trio Sabiá, que surgiu em São Paulo no final de 1985, no lendário Forró do Pedro Sertanejo, no Brás. Como se não bastasse, Joquinha é parente de Cézar do Acordeon, seu tio, e de Oswaldinho, seu primo, ou seja, de uma linhagem direta com o fole. O garoto tem o pedigree de uma família de acordeonistas geniais.
Cosme Vieira, que toca desde criança, também é filho de sanfoneiro. E Pablo Moura, apesar de ter como primeiro instrumento o cavaquinho, aperfeiçoou-se musicalmente ao lado da sanfona, o que o levou a dividir palcos com Hermeto Pascoal, entre outros.
O convite de Alencar aos três expoentes do instrumento veio depois de assistir os três tocando juntos na casa de forró paulistana Canto da Ema. “Os três estavam tocando músicas de Dominguinhos e fiquei muito feliz de ver a descontração que essa nova geração demonstra ter com a sanfona, além de um entrosamento fantástico entre eles”, disse Alencar, prevendo o sucesso do show dessa segunda noite, sob responsabilidade do trio.
TERCEIRO DIA
Na oficina intitulada Por Dentro da Sanfona, afinação, aspectos técnicos e a “microfonação” do instrumento serão abordados por quem entende do riscado: Manoel Jeneci e Roberto Bassioti.
Jeneci -pai de Marcelo Janeci- é conhecido no Brasil por ser “o cara” quando o assunto é captar o som desse instrumento por meio de “microfonação” interna. Ofício para poucos, dada a dificuldade de captar com fidelidade o som das sanfonas, deixando-o mais próximo do som natural de cada instrumento, como se ele estivesse sem captador.
Jeneci desenvolveu sua própria traquitana (uma placa, com quatro microfones de um lado e dois de outro) que, inserida na parte interior da tampa de cima do instrumento, causa ótima impressão aos bons e exigentes ouvidos dos músicos. “A maioria dos profissionais encomendam a ele esse tipo de microfone, que deve custar por volta de dois mil reais e é bem melhor que o importado”, revelou Alencar.
Roberto Basiotti é filho do famoso afinador Basiotti, das harmônicas Basiotti. Em sua oficina, Basiotti filho monta, desmonta e conhece o aspecto técnico de cada peça que integra uma sanfona, sendo capaz de reformar, recuperar e consertar com destreza instrumentos com barulhos no teclado ou outros defeitos abomináveis que interferem no som.
A roda de conversa desta que será a derradeira das três tardes conta com a participação de Maria Odila, Gabriel Pelizzaro e Jonecir Fiori.
Odila, 80, é do glorioso tempo das orquestras de rádio e a que traz mais experiência entre todos os participantes. Quando moça, gravou com Canhoto da Paraíba e seu regional, nos anos1950, e trabalhou nas rádios Cultura e Gazeta acompanhando artistas, além de ter gravado cinco discos de 78 rpm na gravadora Odeon. “Ela tem um jeito clássico de tocar, seja choro, valsa ou música italiana”, disse Alencar, enaltecendo a bagagem da artista.
Fiori é mais jovem que Pelizzaro, 35, que vem de Curitibanos, Santa Catarina. Ambos desceram para o Rio Grande do Sul para aprimorar a maneira de tocar sanfona, lá chamada de gaita, e assim adquiriram um sotaque gaúcho no instrumento. No show que encerra o evento, músicas de mestres gaúchos, entre eles o célebre Luiz Carlos Borges, garantem o alto nível do espetáculo.
O encontro é uma excelente oportunidade para conhecer, por meio de professores formados, autodidatas e artistas, mais sobre um instrumento que tem muita história para tocar a alma de quem o escuta.
Assista aos vídeos e veja uma pequena amostra do que vai rolar nesses dias e noites em que a sanfona é a maior artista.
Lulinha Alencar toca de sua autoria, em homenagem a Luiz Gonzaga, “Cem Gonzaga”.
Lulinha Alencar toca de sua autoria, em homenagem a sua filha Nina, “Xote Pa Nina Ninar”.
1º Encontro da Sanfona na Casa do Núcleo
QUANDO Hoje (12), 13 e 14 de novembro. Oficinas, das 15h30 às 18h; Rodas de Conversa, das 18h30 às 20h; e Shows, às 21h
ONDE Casa do Núcleo, r. Padre Cerdá, 25, Alto de Pinheiros, tel.(11) 3815-9714
QUANTO Programa completo dos três dias (workshop/palestra/conversa), mais três dias de concertos, R$ 206,00
Pacote para os três dias de workshop/palestra/conversa, R$ 116,00
Pacote para os três dias de concerto, R$ 80,00
Um dia de oficina, mais concerto, R$ 71,00
Um dia de concerto, R$ 35,00
Um dia de workshop/palestra/conversa, R$ 44,00