Baterista de Os Incríveis bota a boca no trombone e lança DVD
Prestes a lançar o DVD “Netinho Comemora 50 anos de Os Incríveis- Ao vivo”, Netinho, baterista do grupo, recebeu o Música em Letras na sua casa, em São Paulo. O músico, mesmo com a voz prejudicada por um câncer que teve nas cordas vocais, falou tudo. Contou inclusive sobre o preconceito que sofre com isso. “Fui barrado em um programa de TV”, disse.
O baterista, 69, não escondeu nada sobre sua brilhante carreira -só nos Os Incríveis são 50 anos-, incluindo histórias sobre inúmeras outras “carreiras”, as de cocaína, que, segundo ele, acabaram com suas cordas vocais. Nem Rita Pavone ficou de fora da conversa. Netinho fez revelações sobre a cantora italiana que namorou, mas nem sequer beijou.
O artista, nascido em Santos, contou porque tirou sua carteira da Ordem dos Músicos, em 1967, em Maceió, Alagoas. “Comprei de um cara de lá. Fiz isso porque a Polícia Federal chegou na TV Excelsior e fez a gente parar de tocar, só porque eu e o Nenê (outro integrante de Os Incríveis) não tínhamos carteira”, disse o músico, que tem muito para contar e por esta razão terá seu relato dividido em mais dois posts.
Leia, a seguir, a primeira parte da reveladora conversa que o Música em Letras teve com esse experiente e resiliente artista.
PRIMEIROS COMPASSOS
Luiz Franco Thomaz, o Netinho, nasceu em Santos, litoral de São Paulo. Aos cinco anos, foi morar em Itariri, há 157 km da capital. A cidade está fincada entre o Vale do Ribeira e o litoral paulista, na Serra do Mar. Seu avô José Franco foi figura importante por essas bandas. Praticamente fundou a cidade enquanto trabalhava na estrada de ferro de Santos a Juquiá. Quando chegou em Itariri, construindo a estrada desde Santos, Franco deparou-se com um rio a ser transposto. “Ele parou ali e construiu uma ponte de ferro. Demorou uns três anos para acabar. A ponte caiu e ele ficou mais três anos construindo outra, e acabou ficando para sempre por lá”, contou Netinho, lembrando que o significado da palavra de origem indígena “itariri” vem da junção de “ita” (pedra), mais “riri” (o som delas rolando). “Sou um Rolling Stones, cara. Antes do Mick Jagger”, falou o baterista rindo.
Netinho começou a tocar repique na fanfarra da escola aos oito anos, antes de ingressar, aos 11, na banda do Seminário Diocesano de São Vicente, em São Vicente. Aos 14 anos, já atacava de baterista profissional na Orquestra Tropical de Itariri. Da época, lembra das estantes de madeira para apoiar as partituras. “Tudo com luzinhas e os músicos com uniforme estampado de palmeiras, porque como o maestro era espanhol, a orquestra era meio latina”, disse o músico que ali aprendeu a tocar chá-chá-chá, mambo e rumba, entre outros gêneros.
EXPULSO DO BAILE
Netinho saiu de Itariri em 1960. O baterista foi “vazado” do local por conta de um amor proibido que transbordou em sérias desavenças familiares. “Namorei uma menina mais velha do que eu (ele tinha 14 anos, lembra?) de uma família contrária à nossa. Criaram um auê na cidade proibindo a gente de se ver. Nós nos víamos escondidos, no meio do mato, de madrugada. Era aquela coisa de cidade bem pequenininha e eu lá namorando escondido e com as galinhas”, contou o músico que acabou sendo descoberto.
A diretora da escola da cidade era do outro lado da força. “Ela era contra nossa família e me expulsou da escola. Meu tio era prefeito e a demitiu. Os professores fizeram greve e incitaram os alunos a também aderirem ao movimento. Como meu pai tinha caminhão, peguei um e naquelas de sentar na beirinha do banco, porque eu era pequeno (ele tinha 14 anos, lembra?), joguei o caminhão em cima do bloqueio deles. Deu o maior barraco. Foi muito legal, mas tiveram que sumir comigo dali”, falou o músico que, depois disso, foi morar com os tios em um prédio da rua Dr. Cesário Mota Júnior, em frente à Santa Casa, na capital paulista.
SÃO PAULO
Na Cesário Mota, Netinho dividia o espaço com o casal de tios e dois primos. O baterista estudou no Colégio Oswaldo Cruz, na rua Santa Isabel, até os 18 anos. “Cheguei quase no científico (atual ensino médio). Tive que sair porque não dava mais para ir na aula. Era o auge da minha carreira. Foi quando aconteceu o lance com a Rita Pavone”, disse o músico que teve um namoro “arranjado” com a cantora italiana conhecida por, entre outras músicas,“Datemi um Martello”, de 1964.
RITA PAVONE
Você pegou a Rita? “Não”, disse Netinho. Ela gostava de mulheres? “Ela era menina. Na época, era bem diferente, a gente não notava se a pessoa era gay ou não. Como ela usava macacão e era meio molecona, todo mundo falava isso dela. Eu não achava e olha que eu já tinha muita experiência com mulher, desde pequenininho, né?”, contou rindo o artista.
A conversa prossegue e cito o fato de que Rita Pavone acabou casando com o cantor e empresário Teddy Reno e tiveram dois filhos. Hoje moram na Suíça e um dos filhos é guitarrista. Sou interrompido por Netinho. “Falei com ela no Facebook, outro dia”. Qual foi o papo? “Falei que devo minha carreira a tudo que aconteceu com a gente. Foi ela quem impulsionou a banda, levando o grupo para o exterior, e nós explodimos.” E o que ela respondeu? “Que fica muito feliz com tudo isso. Ela ficou muito contente em me encontrar ali. Mandou um beijo e só. Uma coisa meio rápida”, disse.
Como era seu relacionamento com ela? “Eu era cachorrão. Não estava nem aí”. Ela era a segunda mulher mais importante da sua vida, e a primeira eram todas as outras, quis saber. “Definiu bem”, disse rindo o artista antes de contar, na íntegra e pela primeira vez, o que rolou entre ambos.
“Foi o seguinte, a gente estava começando aqui. A TV era em preto e branco. De repente, pinta a Rita Pavone no Brasil e aconteceu de Os Incríveis acompanhá-la. A Revista do Rádio soltou uma foto de nós dois juntos, conversando. Não sei o que fui entregar para ela, uma chave do camarim, alguma coisa, e neguinho bateu a foto. A Eneida, que era uma bailarina gostosa da Record, sabe aquelas mulheres malucas? Ela que soltou: ‘A Rita está a fim do Netinho’. Aí, ‘pimba’, ficou aquele bochicho. As revistas começaram a multiplicar aquela foto e começou a dar frutos, e ibope para eles (os italianos) também. O Teddy Reno começou a armar. Mandou um telegrama: ‘Que tal você vir para cá sozinho e trabalhar com a Rita?’ Falei que sozinho não iria, só com a banda”, contou. Passado dois meses, chegou outro telegrama perguntando quanto ficava para a banda ir para a Itália.
CIRCO ARMADO
As partes se acertaram e Os Incríveis foram para Roma. Chegando no aeroporto, ainda dentro do avião, Brancato, empresário do grupo, disse para Netinho descer por último. “Cara, o que tinha de repórter me esperando, da escada até a ponta do avião, eu não acreditava. Aquilo foi uma loucura. Desci os degraus e só flash, flash, flash. Fui para uma sala VIP e o Teddy Reno assumiu o microfone. Ele disse para a imprensa que eu era um milionário e fazendeiro no Brasil. Eu não entendia porra nenhuma que ele estava falando. No outro dia, pedi para um cara traduzir. Quando ouvi o que ele tinha dito, falei: que filho da p…!”, contou o baterista.
Compraram um carrão para uso exclusivo da banda e não deixavam Netinho ficar junto com Rita Pavone. “Até que um dia, nunca falei isso, teve uma coletiva de imprensa, com todo mundo junto, a banda, ela e um monte de repórter de tudo quanto era lugar. Era no interior da Itália, acho que em Livorno. A banda começou a tocar. Cheguei na Rita e falei: vamos dançar? Aí, deu um breque. A mãe dela olhando, o Teddy Reno também. Eu disse: bom, vamos dançar ou não vamos? Ela ficou sem graça, porque tinha um monte de repórter vendo. Só cheguei nela por causa disso. Ela não poderia negar. Estava no jornal que ela era minha noiva. Levei-a para o meio do palco…” Interrompi, perguntando se essa era primeira vez que ele a tocava. “Foi, e dançando disse para ela, com a dificuldade do idioma, mas me fazendo entender: pô, os caras não deixam a gente conversar, encontrar e você não fala nada. Você não reage? Ela disse que estava de saco cheio de ser uma caixa registradora. Eu disse: olha, eu tenho uma idéia. ‘Qual é?’, ela quis saber.Vamos fugir! Sério cara, eu nunca esqueço disso. Eu falei, vamos fugir que dá um puta bochicho. Só dava nós na Europa. Ela respondeu: ‘Você está louco?’ Acabou a música e eu falei tchau para ela.” Foi o máximo que vocês tiveram juntos? “Foi”, contou gargalhando. Nunca houve sequer um beijo? “Não e esta é a primeira vez que declaro isso.”
MULHERES, MULHERES E MAIS MULHERES
Uma prima incentivava Netinho a levar o namoro com Pavone adiante. “Eu estava me lixando para aquilo na época. Era moleque e cheio de mulheres.” Você queria tocar ou transar com mulheres? “As duas coisas. Às vezes, antes de tocar, dava uma rapidinha atrás da cortina. Bicho, tinha muita mulher. Eu acordava todo dia na Cesário Mota, morava no quinto andar, botava a cabeça para fora da janela e a rua estava lotada de mulheres. Todas gritando meu nome.” O artista disse que chegava atrasado nos compromissos, porque as moças o impediam de andar na rua. Arrancavam pedaços de sua roupa. “Era difícil sair de casa, tinha que transar com umas quatro ou cinco, três virgens”, falou em tom de pilhéria o artista, mas levantando a lebre. Você, então, pode ter um monte de filhos sem saber? Perguntei ao músico que oficialmente é pai de um casal. “Olha, não sei. Nunca encontrei um, mas se chegar uma criança dizendo ‘papai’ com essa minha voz, não tem como negar”, falou novamente com ironia referindo-se ao som peculiar que emite sem as cordas vocais, extraídas depois de um câncer.
BARRADO PELO SOM
No “making of” do DVD a ser lançado no dia 27 de agosto (leia nos próximos posts), o artista aparece proferindo falas que foram censuradas. O Música em Letras quis saber sobre o que se tratava. “A nossa assessora estava batalhando para participarmos de programas na TV, mostrando o novo DVD. Teve um produtor que falou: ‘Não, o cara não tem voz. Não vou trazer um cara aqui sem voz’. Mas como é que não tenho voz? Você está ouvindo o que, caramba?” Quem era o produtor e de que programa, perguntei. “Vai sair no jornal?”, disse Netinho. Claro, falei. “Mas vai sujar, aí não faço mais esse programa…É o Mulheres, na Gazeta. Eu fiquei muito puto, muito puto.” Neste momento, houve uma intervenção de Wilson Teixeira, atual saxofonista do grupo Os Incríveis, que acompanhando a entrevista comentou,“engraçado, quando estamos em um ambiente com muita gente falando, naquele barulhão, a única voz que se destaca é a do Netinho”. Netinho saca rápido e dispara, “o pior é que esses putos ficam falando para mim: ‘Fala baixo! Fala baixo!’. O problema não é que sou rouco, sou surdo”, falou rindo.
Brincadeiras à parte, o baterista disse apresentar de fato uma deficiência auditiva. “Estou ficando surdo de um ouvido. Não ouço mais os agudos”, falou o músico, apresentando como sempre o lado bom do fato. “Se o vizinho fizer barulho, na hora em que estou dormindo, é só virar de lado e durmo tranquilo.”
Leia nos próximos posts mais sobre o artista e sua carreira. No vídeo abaixo, Netinho convida o leitor do Música em Letras para o lançamento de seu DVD.
Lançamento DVD “Netinho Comemora 50 anos de Os Incríveis- Ao vivo”
QUANDO Quinta-feira, dia 27 de agosto, às 21h30.
ONDE Club A, av. das Nações Unidas, 12559 – Brooklin Novo, São Paulo, tel.(11) 3043-8343.
QUANTO R$ 80