Violonista Chrystian Dozza chega ao paraíso no International Guitar Nigth, 2017

Carlos Bozzo Junior
O violonista Chrystian Dozza e seu cão John Dowland
O violonista Chrystian Dozza e seu cão John Dowland (Foto: Carlos Bozzo Junior)

O Música em Letras esteve na casa do compositor e violonista mineiro Chrystian Dozza Cunha, 31, que participará do International Guitar Nigth, 2017. Realizado anualmente, o evento é exclusivamente dedicado ao violão, instrumentistas e compositores deste instrumento.

Integrante do grupo brasileiro Quaternaglia Guitar Quartet, desde 2009, e professor de violão da EMESP (Escola de Música do Estado de São Paulo), Dozza quando tinha 15 anos, apenas por gostar da banda britânica de heavy metal Iron Maiden e tocar bem guitarra, era considerado “chapa” do capeta. Um pacto realizado entre ambos seria a razão de Dozza tocar tão bem, com pouca idade.

Entretanto, durante a entrevista com o músico, a meiga presença de John Dowland -um cachorro golden retriever megaboapraça- garantiu tudo não passar de balela. A raça, utilizada para assistir cadeirantes, cegos e trabalhar em resgates, tem um perfil inadequado para acompanhar quem tem relações estreitas com o “tinhoso”. A alcunha do cão é uma homenagem ao compositor e alaudista renascentista John Dowland (1563-1626), inglês reconhecido por ter “melancoliado” almas com suas músicas. Melancolia e diabo combinam, mas nem assim o boato procede. O pacto é uma lenda, embora Dozza tenha uma musicalidade assombrosa.

Assista aos dois vídeos, no final do texto, com Dozza tocando duas versões de “Baião de Dois”, música de sua autoria e presente em seu último CD, “Despertar”. Na primeira, o violonista toca a composição solo que pretende apresentar no International Guitar Night 2017. Na segunda versão, puro heavy metal, o violão de Dozza fica quase inaudível ao contar com o “acompanhamento” de um bate-estacas, utilizado para construir um prédio ao lado do quintal de sua casa. Isto sim é um som dos infernos. Confira.

Leia, a seguir, mais sobre a história de Chrystian Dozza.

O compositor Chrystian Dozza em entrevista para o Música em Letras, em sua Casa, em São Paulo (Foto: Carlos Bozzo Junior)
O compositor Chrystian Dozza em entrevista para o Música em Letras, em sua Casa, em São Paulo (Foto: Carlos Bozzo Junior)

ALUNO DO DEMO

Dozza estuda violão e guitarra desde os 13 anos. Aos 15 já tocava bem e era visto na cidade onde nasceu- Machado, interior de Minas Gerais- como um elemento que havia feito pacto com o diabo. Tudo pelo simples fato de aliar seu talento ao uso constante de camisetas com estampas do Iron Maiden. Ter cabelos compridos- hábito ainda cultivado- ajudou a alimentar o boato. Dozza teve uma banda, Seventh Steel, que apesar de ter um nome de banda autoral só tocava Iron Maiden. Na formação, duas guitarras, bateria, baixo e voz. Dozza era o solista virtuosístico que chamava a atenção. Tudo ajudava para ser qualificado como um “aluno do demo”.

“A lenda foi boa para mim, ganhei um monte de alunos”, disse o músico que precocemente se tornou professor e arrebanhou uma pá de “servos”, inclusive os que o difamaram. “Eu dava risada. Alguns alunos chegavam a perguntar se eu tinha feito mesmo o pacto e como era”, contou rindo o músico, que é católico, e na ocasião se aproveitava do boato sobre o pacto com o “coisa ruim” para fazer pilhéria. “Passava na praça da cidade e quando chegava perto do pessoal que frequentava a igreja- os mesmos que inventaram essa história- fingia que estava incorporando alguma coisa e passava mal, só para assustá-los. Todo mundo saía correndo”, contou gargalhando o compositor.

Não resisti e perguntei: “Você fez o pacto com o diabo?”

A resposta? Uma solene gargalhada.

PROFESSORES DO PROFESSOR

Dozza aprendeu a ler música com o professor Marcos Sarques, na Escola Machadense de Música, e harmonia, com o músico Frederah, em Alfenas (MG). Estudou o manjado método de violão erudito de Henrique Pinto. Junto a esse contato com o violão solo, Dozza conheceu o som da música de Dilermando Reis (1916-1977) e “chapou”. “Ouvi ‘Sonatata ao Luar’ e fiquei muito doido com aquele troço. Falei: ‘Nossa, com violão dá pra fazer isso aí!’”, contou.

Sem abandonar a guitarra e mais apegado ao violão, em 2002 o suposto “chapa do demo” ingressou na Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, onde se formou estudando com os professores Paola Pichersky e Paulo Porto Alegre. Na faculdade, integrou uma banda cover do grupo de rock inglês Jethro Tull, que o músico considera uma ótima influência. Hoje, dá aulas de violão erudito na EMESP (Escola de Música do Estado de São Paulo).

O instrumentista Chrystian Dozza e seus três CDs (Foto: Carlos Bozzo Junior)
O instrumentista Chrystian Dozza e seus três CDs (Foto: Carlos Bozzo Junior)

CDS

O primeiro CD de Dozza,“Songs from the Land” (canções da terra), com sete faixas, foi lançado enquanto cursava a faculdade. O disco traz uma “mistureba” do momento em que o músico vivenciava o aprendizado de violão solo, guitarra elétrica e viola caipira.

O segundo CD, “Fantasia Mineira”, tem 12 faixas. Três são fantasias mineiras sobre temas do cantor e compositor Milton Nascimento. A “Fantasia Mineira I” é sobre “Cálix Bento”; “Fantasia Mineira II”, sobre “Nos Bailes da Vida” e “Fantasia Mineira III”, sobre “Maria, Maria”. A faixa nove, “Sir William Wallace his Hornpipe”, é uma dança celta composta por Dozza para a viola caipira. O compositor utilizou no disco violão com cordas de nylon, de aço (violão folk) e viola caipira, promovendo um timbre novo a cada faixa.

O terceiro CD, “Despertar”, marca o retorno do instrumentista depois de enfrentar um problema na mão direita (distonia focal) que o impossibilitava de tocar o repertório solo. “É um problema de movimento. O dedo não obedece ao comando”, contou Dozza, antes acostumado a estudar peças dificílimas, sem o devido cuidado. “Exagerei. Ainda bem que foi reversível, tanto que estou tocando novamente.” Hoje, o músico realiza um trabalho diário com exercícios, no próprio instrumento, para manter a saúde das mãos. “Fiquei meses indo a médicos e gastando grana. Só ouvi bobagem. Aí, encontrei Luiz Claudio Ribas Ferreira, professor de violão da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, que me ajudou”. Dozza busca superar sua própria técnica, reprogramando-a, como se aprendesse novamente, mudando alguns padrões de movimento. “O cérebro entende como uma coisa nova, e ‘grava’ por cima dos movimentos defeituosos”, explicou Dozza, que há mais de três anos trabalha essa nova técnica.

O CD “Despertar” registra dez novas composições com todas as influências musicais de Dozza: música brasileira, mineira, rock ‘n’ roll e música erudita. Tudo com pitadas do Barroco e da Renascença. As três primeiras faixas são bem brasileiras: “Baião de Dois”, “Balada” e “Sobre um Tema de Egberto”, uma variação inspirada em “Sete Anéis” de Egberto Gismonti. “Sinos do Paraíso” é música minimalista em que se trabalha bastante a repetição. “Homenagem a Tedesco” é dedicada ao compositor italiano Mario Castelnuovo-Tedesco (1895-1968). “Ellas Jig” é uma giga (dança barroca popular originada a partir da jig britânica) renascentista, meio roqueira, feita em homenagem à sua mulher Marcella. “Passacaglia Coral” (dança em andamento moderado do início do Barroco) tem uma sequência harmônica muito utilizada nesse período, acrescentada de dissonâncias que produzem sonoridade diferente. Dois estudos também fazem parte do disco: “Estudo 1- Harpa Eólia” e “Estudo 2- Harpa Jônia”, ambos inspirados nos Estudos para violão nº1 e nº 2 de Villa-Lobos (1887-1959). A última faixa, “Despertar”, conta com a participação de Paulo Bellinati no violão com cordas de aço.

NO FORNO

Para sair em breve, há o CD “Divertimentos”, do trio de violões Opus 12. Formado por Paulo Porto Alegre, Daniel Murray e Dozza, o trio fará com que o disco chegue com um repertório bem brasileiro, reunindo violonistas e compositores importantes de uma mesma geração. São eles: Paulo Bellinati, Sérgio Assad, Marco Pereira e Paulo Porto Alegre.

“Tocata e Fuga Funk”, uma das peças de Bellinati, deve abrir o disco, cheia de suingue, escalas pentatônicas e blue notes. Haverá ainda uma suíte de Sérgio Assad e um hit do violão,“Bate-Coxa”, de Marco Pereira, além de três peças de Paulo Porto Alegre. Saindo o disco, o Música em Letras avisa.

O músico Chrystian Dozza acompanhado de seu cão John Dowland (Foto: Carlos Bozzo Junior)
O músico Chrystian Dozza acompanhado de seu cão John Dowland (Foto: Carlos Bozzo Junior)

PRÊMIOS E VIOLÕES

Dozza abocanhou alguns prêmios de importantes concursos, como o Concurso Nacional de Violões Musicalis; Concurso de Violão Souza Lima e o Concurso Novos Talentos da Música Erudita. O músico conquistou também o prêmio de melhor instrumentista no XIV Prêmio BDMG (Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais) Instrumental 2014, além de ser um dos contemplados no Concurso de Composição para Violão Solo – Novas #2, com a música “Baião de Dois”.

O instrumentista teve vários violões, mas “bons” foram poucos. “O primeiro bom violão que tive foi conquistado por meio de um prêmio. Era um instrumento do luthier Manoel Andrade, que morreu em 2003. Agora tenho um do Sérgio Abreu”, disse referindo-se ao luthier carioca que integrava o famoso Duo Abreu, com seu irmão Eduardo Abreu. Instrumentos construídos por esse músico artesão custam em torno de 13 a 15 mil reais.

INTERNATIONAL GUITAR NIGHT 2017

Segundo Dozza, o violonista norte-americano de fingerstyle (técnica de tocar violão sem o uso da palheta) e organizador do evento, Brian Gore, o convidou através do Facebook, para tocar no International Guitar Nigth, 2017. “O Gore fica garimpando, na internet, coisas boas de violão que se encaixam em sua busca calçada na variedade e no compromisso de escolher músicos que também saibam tocar em grupo”, falou dando a dica.

O consagrado festival conta sempre com a presença de três músicos, além de Gore, que devem ter como pré-requisito serem instrumentistas e compositores exímios, vindos de lugares diferentes do planeta. Cada um apresenta entre duas a três músicas solo (peças próprias), antes das colaborações tomarem seus espaços em duo, trio e, no final, em grupo.

Os músicos convidados são escalados para se apresentar em turnê pelos Estados Unidos, Canadá, e, em algumas vezes, na Europa. Antes de culminar na gravação de um CD, ao vivo, os artistas realizam em torno de 30 a 50 shows, ganhando cerca de 10 mil dólares pelo pacote todo, fora passagem aérea.

Alguns brasileiros já mostraram seus sons no International Guitar Night. Todos mestres na hora de tocar e de compor para o violão. Entre eles, Marco Pereira, Paulo Bellinati, Badi Assad e Alexandre Gismonti, filho de Egberto. Na praia do “violão jazz”, Diego Figueiredo, 34, esteve no evento em 2014 e fez uma apresentação sensacional.

Segundo Dozza, essas constantes contribuições de músicos brasileiros ao evento tem levado Gore a pensar em realizá-lo no Brasil. “Para ele é um sonho trazer o evento para cá. Estamos tentando armar três shows e gravarmos o CD do projeto de 2017, ao vivo, no Brasil”, antecipou o músico.

Dozza se apresentará nos Estados Unidos e Canadá entre janeiro e fevereiro de 2017. “Um mês em cada lugar. Na Europa, ainda não sabemos se será antes ou depois deste período, mas será por um mês também”, falou o suposto apadrinhado de Lúcifer.

Essa é a trajetória de um músico que passou do inferno ao paraíso.

Assista aos vídeos com o violonista

Veja vídeo abaixo com o violonista sendo acompanhado por um som dos infernos.