Pavarottis alados aprendem a cantar com máquina

Carlos Bozzo Junior
(Fotomontagem: Carlos Bozzo Junior)
(Fotomontagem: Carlos Bozzo Junior)

São vários os motivos que fazem com que os pássaros cantem. Um deles é para acasalar. Entre os canoros (que cantam harmoniosamente, com melodias elaboradas) há curiós, coleirinhas, sabiás, canários e uirapurus, entre outros tantos,- cerca de quatro mil espécies- que passam uma “cantada” antes de ir para os conformes.

Interessante é saber que se pode ensinar a esses seres alados boas e belas “cantadas”. O processo de aprendizagem pode ser por meio de um “mestre”, um pássaro de verdade que já cante bem, ou por uma traquitana que cumpre a função.

As máquinas que treinam os “pavarottizinhos” se assemelham a um rádio de tamanho médio, dependendo do modelo, e basicamente funcionam da seguinte maneira. Equipado com um timer elétrico, o “professor” de passarinhos vem com leitor de USB e conta com alto-falante para reproduzir sequências de canto gravadas no cartão de memória. Seleciona-se o canto para ensinar o pássaro “aluno” e programa-se a máquina para tocá-lo com intervalos de pausa.

Entre a pausa e o canto, pode-se programar a geringonça para funcionar, por exemplo, com 30 minutos de canto e 15 minutos de silêncio. Deve-se respeitar o descanso do “aluno”. Entre as programações mais utilizadas estão as de 30×15, 30×30, 15×15, 45×30. Se quiser, é possível criar novas sequências. Nas pausas, pode-se substituir o silêncio pelo som de água de rio ou de ondas do mar.

Pássaro canoro(Foto: Carlos Bozzo Junior)
Pássaro da Mata Atlântica (Foto: Carlos Bozzo Junior)

Entre os cantos de pássaros há sons melodiosos específicos para cada espécie. Para curiós, os cantos Praia Grande Clássico e Florianópolis; para o pássaro-preto, Mateiro Mineiro; para o bicudo, os cantos Goiano Clássico, Flauta, Ponteado, Alta Mogiana Clássico, entre outros; para o coleiro, Tui Tui Zero Zero.E a festa não para por aí. Existem assobios para calopsitas, papagaios e araras. Para “alunos” corrupiões, “aulas” do hino nacional ou de hinos de futebol para os mais fanáticos. E como não poderia faltar, ainda há os clássicos como “Parabéns pra você” e “Atirei o pau no gato”.

O termo que criadores de pássaros utilizam para se referir a este tipo de aprendizado é “encartamento” de canto. “Encartar” o curió, por exemplo, é mais difícil que “encartar” um coleiro. Os pássaros devem ficar em lugares tranquilos, sem barulho. Para que a atenção do “aluno” não seja desviada, alguns criadores utilizam uma capa para cobrir a gaiola, enquanto dura a aula. Quando a classe for de curiós ou bicudos, não pode haver outro pássaro por perto, pois eles imitam o que ouvem e misturam aos cantos legítimos outras notas, descaracterizando-os.

Caso um dia você se canse do som dos canoros, alguns modelos da traquitana ainda trazem rádio AM, FM e SW com receptor de três bandas. E, claro, botões que acionam comandos de volume, tocar, parar, ir para frente, retornar, repetir o canto, repetir todos os cantos, pausa, play e botão de sintonia. Geralmente, os modelos à venda são bivolt (110v e 220v) e o troço é ligado direto na força, sem adaptadores ou fontes, mas se quiser, é possível abastecer o “professor” com quatro pilhas grandes.

Quer amplificar as aulas? Pode, pois o “mestre elétrico” vem com duas saídas de som auxiliar, para ser conectado a caixas de som.

O preço da traquitana fica entre 200 e 300 reais, e cada canto sai por 10 reais. Nada perto dos milhares de dólares que valem os campeões de concursos de canto realizados pelo país.

Não será de se espantar se, em breve, alguém abrir a primeira “universidade” para pássaros com esta engenhoca e massificar o som. Talvez a música da natureza seja então considerada primitiva, sem forma. A da “academia” é que vai valer.

Entretanto, ensinar um pássaro a cantar não seria o mesmo que ensinar o pai-nosso ao vigário? Talvez seja tão redundante quanto as asas que ostentam dentro das pequenas e perenemente fechadas gaiolas onde vivem.

Bizzaro esse lado do mundo dos sons.

Pássaro de Itatiaia (Foto: Carlos Bozzo Junior)
Pássaro de Itatiaia (Foto: Carlos Bozzo Junior)