Rickie Lee Jones e Egberto Gismonti, músicos além da música
Levianos sempre enfatizam que quem estudou na Berklee College of Music, em Boston, Estados Unidos, – ou em qualquer outra escola de música famosa, nas quais geralmente nunca estiveram- sai de lá tocando e arranjando igual a todos os outros alunos. Pode até ser verdade, dada à metodologia empregada na renomada escola. Depois, é com o iniciado. Porém, até o sujeito achar seu próprio caminho na música – e são muitos- reproduz, imita e faz igual. Problemas? Nenhum.
Entretanto, não é só tocar um instrumento, ou escrever para ele, que a Berklee ensina. Há muito mais. Entre outros benefícios, a escola oferece uma valiosa troca de informações. Comigo, por exemplo, aconteceu de levar para eles (alunos e professores) alguns de meus modelos ideais de cantoras e instrumentistas brasileiros. Na época, em 1983, gravados em fitas K-7.
Entre as cantoras, Elis (1945-1982), Elizeth Cardoso (1920-1990) e Nana Caymmi. Todas parte de minha amada família de “canários”, depois aumentada por Ná Ozzetti, Mônica Salmaso e Roberta Sá, entre outras. Todas parentes de Billie Holiday (1915-1959), Ella Fitzgerald (1917-1996), Carmen McRae (1920-1994), Sarah Vaughan (1924-1990), Joni Mitchel e Marie Daulne do Zap Mama, entre várias da canora família que não para de crescer.
As alunas norte-americanas Jackie (cantora) e Jersey (pianista) moravam, como eu, no dormitório da escola. Seus sobrenomes não recordo, mas ali convivemos, estudamos, tocamos e trocamos. Das trocas, as “canárias brazucas” assombraram essas duas gringas, que passaram a escutar e até a estudar MPB por meio de minhas eternas divas. Das gringas recebi uma flechada na alma: Rickie Lee Jones.
Imaturo, pela jovialidade, discriminava gêneros e ouvia muito pouco fora do jazz, rock, choro e da MPB. Jones me amadureceu. Através de sua música ampliei muito meu leque. Comprei quase todos os seus discos, assisti vários de seus vídeos, li inúmeras de suas entrevistas e virei seu fã número zero.
Cantora, poeta e compositora, Jones, surgiu na cena pop no final dos anos 1970, gravado mais de 15 álbuns, nos quais abarca gêneros musicais distintos. Entre eles jazz, rock, eletrônico e o escambau. A fama proporcionou à autora de “Chuck E’s In Love” vida tumultuada. Ganhou uma pá de prêmios, envolveu-se com drogas, “pagou de bad girl”, namorou quem não devia e se misturou com gente da pesada.
Agora aos 60, parece ter madurecido. Há mais de dez anos sem lançar um trabalho, a cantora gravou recentemente “The Other Side of Desire”, que chega às lojas dia 23 de junho. O disco foi elaborado e gravado na cidade de Nova Orleans, onde Jones vive há mais de um ano. A “produça” é do renomado músico inglês John Porter que já trabalhou com The Smiths, B. B. King, Los Lonely Boys, Buddy Guy, Roxy Music, e Ryan Adams, entre outros.
Junto com o disco, a cantora anunciou que entrará em turnê pelos Estados Unidos e pela Europa. A cineasta Gail Harvey estará ao seu lado o tempo todo, para registrar em documentário homônimo ao disco parte desta viagem. O filme estreia por volta de setembro, nos Estados Unidos.
Segundo material distribuído para a imprensa, “The Other Side of Desire” não poderia ter sido escrito sem o pano de fundo de Nova Orleans com seus rios, trens, fantasmas de botequim e bandas tocando a mesma canção. “Deste lado, as coisas são um pouco mais lentas, mais amigáveis, mais antiquadas do que no resto do mundo”, disse Jones. “Um pouco mais pobres talvez, e um pouco mais perigosas do que deveriam ser, mas eu adoro isso aqui.”
Entre as canções do novo disco, “Jimmy Choos”, disponibilizada na rede; uma valsa cajun, “Valtz de Mon Pere”; o honky-tonk, “J ‘ai Connais Pas “; “Alma Gladys Knight” e a balada “Christmas in New Orleans”.
A obra poético-musical de Jones tem sido uma espécie de condensado do que me disse uma vez o músico Egberto Gismonti, respondendo-me uma pergunta. Na ocasião, o compositor iria se apresentar ao lado de índios Camaiurás, comandados pelo pajé Sapaim, que participavam de seu show, parte da sexta edição do PercPan (Panorama Percussivo Mundial), em 1999, no teatro Castro Alves, em Salvador.
A pergunta? Egberto, você não se cansa de tocar ao lado desse som monocórdio? A resposta? Após alguns segundos de reflexão, o músico desferiu uma das maiores e melhores porradas que já tomei na mente: “Olha, você deveria começar a pensar a música além da música”.
Aprendi, na porrada, mas aprendi.
Assista o vídeo com prévia do novo disco da cantora na url https://www.youtube.com/watch?v=GV0LeacdIXQ