Wilson Sukorski, músico até embaixo d’água
De sua lavra, ele tem 14 trilhas para teatro e curtas, nove CDs, mesmo número de trilhas para longas, dois DVDs -vários para serem finalizados-, três prêmios e uma infinidade de shows, performances, instalações sonoras, músicas e mais de dez instrumentos idealizados e construídos.
Wilson Sukorski, 59, é pesquisador, professor e compositor de música contemporânea. Um sujeito que por sua extensa e sólida obra (veja em http://www.sukorski.com/) deixa claro que a música precisa dele e ele, dela. Desta relação, já nasceu até música para ser escutada em baixo d’água . Em sua cabeça diz haver “inúmeras fórmulas matemáticas”, falou em entrevista concedida ao Música em Letras, em seu apartamento, no bairro de Vila Mariana , em São Paulo.
Leia a seguir trechos da entrevista.
MÚSICA N’ÁGUA
Paisagem Sonora SubAquática é o que Sukorski promove, há mais de cinco anos, em ambientes como as piscinas das unidades do SESC, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. Nelas, já instalou o que chama de Audio Arte por meio de quatro (para piscinas pequenas) ou oito (para piscinas maiores) “hidrofalantes” (caixas sonoras construídas especialmente para serem submersas e emitirem som).
A ideia veio de um desejo do artista de trabalhar, no verão, sem usar calças. “Tenho várias ideias para água, inclusive para a do mar. Estudei a acústica das praias e dos ventos, mas cheguei à conclusão de ser inviável por vários motivos. Então, abandonei a praia e reduzi a mesma ideia para piscinas. O negócio é fazer dessa instalação sonora uma coisa divertida. As pessoas mergulham e só embaixo d’água é que se escuta a música em real quadrafônico (som que utiliza quatro canais).” Cada uma das quatro caixas de som são posicionadas nos cantos da piscina e reproduzem sinais independentes uma das outras. O músico conta com o auxílio de um robô programado para tocar e selecionar sons, além de ‘bancos’ de silêncios também.
Sukorski vem obtendo imenso sucesso com o público, até com quem tem dificuldade de escutar. Prova disso, está em um vídeo “Um Milagre Subaquático”, postado, por ele, no Youtube (https://www.youtube.com/watch?v=4Fj6B_eQwuQ), no qual uma criança com 90% de deficiência auditiva brinca divertindo-se com a música debaixo d’água.
“A radiação sonora, na água, é mais difícil de se iniciar. Tem que ser enviada uma pressão bem forte, mas quando enviada, dissipa-se muito lentamente. Se tem muita gente na água ela se dissipa melhor. Trabalho em piscinas, com milhões de litros d’água. A primeira vez que fiz isso, em Araraquara, a piscina tinha um milhão de litros. A do SESC Interlagos tem 20 milhões de litros. Por isso, tem que saber direcionar corretamente o som para que todos, ao mergulharem, o escutem nitidamente”, falou o músico. São 155 trechos de áudio, incluindo sons de fazendas (animais), ruídos de cidades e pessoas falando, que se alternam. Tem desde música eletrônica, percussão e sons de desenho animado, como uma brecada que passa pelos ouvidos e acaba por colidir nas quatro caixas. “Sou um compositor de ‘bancos’ sonoros”, disse Sukorski rindo e mostrando parte da traquitana que dispõe de um microfone para captar a ambiência local. “Se o lugar estiver com um barulho muito alto, o robô toca ‘bancos’ com sons mais altos ainda embaixo d’água. Em cima dela, não se escuta nada, mas embaixo tem um supersom”, explicou o compositor que utiliza, no total, 4.800 watts de potência para emitir sons criados e gravados por ele. “É uma paulada, embora a reação acústica seja bem menor, pois se perde pelo menos uns 30 decibéis. A física acústica da água é completamente diferente da do ar. O meio é mais denso, a velocidade é maior e o deslocamento de frequência também, assim como o timbre”, explicou o músico.
Segundo ele, este tipo de entretenimento funciona como uma isca.“Faço arte contemporânea. Assim fisgo o ouvinte para que ele conheça outros de meus trabalhos”, falou.
Isso não é novidade. O compositor francês Michel Redolfi já realizou concertos subaquáticos, mas para um público pequeno. “O que eu faço é diferente. A piscina do SESC Pompéia contou com esta instalação durante 15 dias, em janeiro, onde pelo menos 20 mil pessoas estiveram se banhando”, explicou o músico que teve de desenvolver um maquinário especialmente para o espaço: “Mais robusto para aguentar todos esses dias de trabalho massivo. Quando não tem ‘ninguém’, há cerca de 700 pessoas dentro daquela piscina”.
MÚSICA NA TERRA
Certa feita, na Itália, Sukorski enfrentou um terremoto. Dessa experiência fará com que as pessoas ouçam e sintam mais música. Dessa vez, vinda da terra. “Foi de 4.8 graus, daqueles bem perceptíveis e longos. Então, tive a ideia de fazer um corredor com subwoofers enterrados na areia. Ao percorrê-lo, você terá a sensação do terremoto, por meio dos 12 mil watts enterrados”, disse adiantando sua mais nova criação.
TEATRO
“Fazer trilha para teatro são duas coisas. Uma é aprender a ler o teatro, o que o cara quer dizer. A outra, talvez seja ter o ponto de vista do outro. Você faz a música para alguma coisa, agora eu sou sempre eu. Eu discordo. Então, talvez seja fazer a coisa sob o ponto de vista do outro e discordar”, disse gargalhando o músico que faz o design de áudio para espetáculos, entre outros, da diretora e pesquisadora Cibele Forjaz, com 16 caixas acústicas de diferentes tamanhos e tipos, dispostas em vários lugares .
MÚSICAS
“Tenho um monte de músicas e não sei o que fazer com isso. Na verdade, não encontrei uma solução que me agrade porque acho que lançar CDs não faz mais sentido. DVD é legal, mas tem o mesmo problema. Tenho várias filmagens de trabalhos que é só cortar um pouco a ‘janela’ dar uma baixada na luz e botar ‘brutão’ na rede, mas não curto esses formatos da indústria cultural”, falou.
ORGANIZADO E OBSESSIVO
“Sou obsessivo com trabalho. Trabalho muito e me organizo para isso sistematicamente”, disse exibindo várias caixas, malas e recipientes contendo suas invenções, aparelhos e traquitanas. Tudo disposto no chão de sua sala ao lado de um piano e de vários instrumentos por ele concebidos. “São os kits de minhas instalações. Fica mais fácil organizar assim. Faço dez coisas ao mesmo tempo e já perdi muito tempo com isso”, falou o músico que acredita estar na melhor fase do seu trabalho. “Hoje, sei um monte de coisas que não sabia. Tenho ambições mais etéreas. Talvez seja da idade. Estou trabalhando mais e estudando mais. As tecnologias musicais me atraem muito. Gosto de ver as coisas por todos os lados”, disse.
ÓPERA HACKER
“Fiz no ano passado uma ópera hacker. Quero expandi-la, mas no Brasil tudo é difícil”, disse o artista, filho de mãe italiana e pai polonês. Sukorski nasceu em Santo André e mudou-se para São Paulo, oficialmente, em 1979, com 24 anos, mas frequentava a cidade bem antes disso. “Eu vinha direto para cá desde os 15 anos. Ficava em casas de amigos. Tinha mais amigos em São Paulo do que em Santo André”.
INSTRUMENTOS
“Tenho uns dez construídos. Em mente, uns cem, que não faço porque não tenho grana para isso”, contou o construtor que teve como primeiro instrumento o violão. Estudou violão clássico e piano antes de clarinete. “Não toco mais, toquei clarinete num nível de estudante, mas escrevo muito bem para ele, se for o caso. Tocar já não é mais um problema meu”, disse rindo o compositor que já foi integrante de uma banda de rock chamada Barracuda, em Santo André.
A HISTÓRIA DO SOLDADO
Aos 16 anos, o que mais o impactou Sukorski, em São Paulo, foi ter assistido a uma apresentação de “História do Soldado” (1918) de Ígor Fiódorovitch Stravinsky (1882-1971). A obra reúne música, texto e dança para contar a história (baseada num conto tradicional russo) de um soldado que faz um escambo com o demo, cedendo seu violino em troca de um livro que revela o futuro. Stravinsky a concebeu para um narrador, uma bailarina e, musicalmente, para um septeto. São dois instrumentos por naipe de orquestra, ou seja, das cordas, o russo naturalizado francês utilizou um violino e um contrabaixo; das madeiras, um clarinete e um fagote; dos metais, uma corneta (usa-se mais o trompete) e um trombone, além da percussão que promove uma tensão de ritmos por meio dos tempos e contratempos, possível reflexo do jazz no compositor da “Sagração da Primavera”.
Entretanto, Sukorsky lembra de tê-la assistido “numa redução para piano, clarinete e violoncelo”, no auditório do MASP (Museu de Arte de São Paulo). “Saí de lá e não sabia onde era a rua. Chapei com a ideia de polirritmia e de trabalhar com ritmos não redondos, além de apresentar um certo cubismo”, falou o músico que nesta época escutava música contemporânea, principalmente a obra de Arnold Schönberg (1874-1951). “Fui várias vezes na ‘partituroteca’que tinha na Lapa para pesquisar. Era habitué”, disse o compositor que a partir deste momento passou a se afastar da música popular. “Sentia-me meio vendido. Achei que era me vender ao código, sabe assim?”, contou o músico que não despreza a tradição por afirmar que “se você não conhece a tradição você a repete de forma ingênua. Conhecer a história da música, suas várias tendências faz parte do métier, da sua palheta. Tem de ter isso na mão”.
INDÚSTRIA CULTURAL
O músico revela ter problemas com a indústria cultural: “Ela atrapalha a música há muitos anos. Nenhuma arte sofreu tanto como a música, com a indústria cultural. É comum um diretor de cinema chegar para mim e dizer que curte muito a música de Caetano Veloso. É o mesmo que dizer que um filme que curto muito é ‘Lagoa Azul’”. Segundo Sukorski, ele faz parte das inúmeras pessoas que pesquisam e trabalham com música, há muitos anos, e não são percebidos pelo público embora seja considerado por estudantes e por quem é do meio da música experimental uma espécie de Caetano Veloso.
“Isto é até bom, de certa maneira. Tenho a teoria do supermercado. A importância cultural da pessoa é inversamente proporcional ao número de pessoas que se aproximam dela num supermercado. Por exemplo, o Augusto de Campos vai facilmente no supermercado e compra as coisas dele. Agora a Gretchen não vai fazer as compras tranquila”, explicou acrescentando que seu trabalho é solitário. “Um trabalho maluco, mas que me realiza. Eu sou isso.” Contudo, o músico considera-se “multidimensional”, revelando conviver com amigos que escutam a Gretchen, “mas eles sabem, se tocarem isso para mim apanham. Saio no braço”, falou rindo.
VIDA, PROFISSÃO E MÚSICA
“O que mais me atrai nesta minha forma de viver, pois não chamo o que faço de profissão, é que ela não é linear e permite que eu entre e saia de qualquer lugar sem problemas. Trabalho com projetos que às vezes me levam a ler autores que até nem gosto, mas para colaborar com o projeto tenho que ter acesso. Isto é muito bom”, falou, afirmando que existem milhões de maneiras de se fazer música. Entre elas, “a música aplicada, que você usa para outras coisas. A música popular cabe aí dentro por estar a serviço da letra, do sentido, da narrativa. Isto faz dela uma música aplicada, geralmente menor do que a letra. Existe a música funcional aplicada em teatro, cinema e dança, que é muito subvalorizada por aqui. E existe a música de pesquisa, experimental, que é o que você quiser. O que você imaginar, sem se importar se pessoas vão assistir ”.
O artista diz ainda ser difícil falar de música por ser “um troço muito abstrato” e lembrou uma citação do músico suiço Anton Walter Smetak (1913-1984), violoncelista, compositor e construtor de instrumentos musicais que dizia: “Falar de música é besteira, e fazer é loucura”.
CAPSULAS TEMPORAIS
Muito utilizadas na música contemporânea as partituras gráficas são chamadas por Sukorsky de “cápsulas do tempo”. “Você pode tocá-las com qualquer instrumento. O que você tem de obedecer é o tempo. Existem algumas regras planimétricas básicas. O que está em baixo é grave, no meio é médio, em cima agudo, e o que está escuro é forte… É bem gráfico mesmo. Nas minhas, só não tem bula, como o pessoal está acostumado a colocar. Eu prefiro que as pessoas interpretem da maneira delas”, falou.
MÚSICA E BELEZA
Sukorski realiza algumas de suas performances ao lado de mulheres bonitas. O Música em Letras foi a uma delas, “Antifonia para Lira e Serrote”. Performance com a renomada Ana Montenegro e o compositor, na qual acontece uma interpretação da partitura gráfica, realizada em tempo real, criando um espaço temporal de experimentação entre contrastes determinados ou não. Durante a apresentação, o som dos instrumentos vão além da música e atingem os sentidos de quem está presente, estendendo a noção tradicional de tempo. Na peça, que dura 27 minutos e 37 segundos, a sonoridade dos instrumentos alia-se a uma sensualidade notória transmitida pelo figurino de Montenegro e sua maneira de empunhar a lira, entre suas coxas seminuas. “Isto é verdade. Eu sou do signo de escorpião e sempre senti necessidade disto, do real. Sou uma pessoa que colaborou para performance existir. Faço isto desde os anos 1980, mas chamávamos de multimídia”.
O músico já trabalhou com a artista Lali Krotozinsky, em performance, na qual ela ficava praticamente nua em lugares minúsculos. Trabalhou também com a atriz Leila D’ Barsoles, na Galeria do Rock, em São Paulo, na apresentação de Revelando Corpos. “Ela nua, deitada numa rede, ao meio dia. Coloco isso como o belo. Isto constrói uma ponte entre as pessoas, que estão ali pois a música que faço é muito abstrata e a beleza é uma coisa que existe”. O músico dá valor à performance, que joga com o tempo, com o corpo e com a presença de um artista. “Você olha para a garota nua, mas ela não é uma garota nua. Ela é um corpo de um artista performando. Nesse sentido, ela evapora tudo, inclusive tesão”, explicou o compositor.
A LIRA E O SERROTE
Em “Antifonia para Lira e Serrote” os instrumentos são eletrificados e passam por pedais. O serrote como instrumento passou a ser utilizado no final do século XIX. Fabricado até hoje, pode ser tenor ou baixo e é tocado com arco de violoncelo. “O meu é um baixo, norte-americano, mas não faz muita diferença não. Tem uns nacionais bem legais também”, falou o artista sobre o instrumento de aço com empunhadura de madeira. A lira é um instrumento clássico. A da apresentação, com 48 cordas afinadas em escala pentatônica (escalas formadas por cinco notas ou cinco tons, facilmente ouvidas em blues, rock e na música popular). Acoplando em sua estrutura microfones de contato, vira o “bicho”.
PRÊMIO NO CASTELO
Um dos prêmios que Sukorski abocanhou o levou recentemente para a Fundação Civitella Ranieri localizada em um castelo na cidade de Umbertide, região da Umbria, província de Perugia, Itália. Considerado um dos mais bem conservados castelos da região, a fundação proporciona aos artistas, escritores e músicos o máximo em conforto e convivência.
“Fiquei 42 dias compondo, em contato com o silêncio, tanto interior quanto exterior. Aqui, onde moro, é muito bom, mas quando puder vou batalhar para proibir alarmes sonoros de qualquer tipo, principalmente os de marcha-a-ré e de veículos”. O músico foi convidado a permanecer no castelo italiano, com o intuito de compor uma música para 31 cantores, com duração de um pouco mais de 37 minutos. A obra é feita em cima de um texto do filósofo francês Henri Bergson (1859-1941). A peça, ainda inacabada, chama-se “HB”, em homenagem a Bergson, cuja obra é estudada em diferentes disciplinas e que recebeu o prêmio Nobel de Literatura, em 1927.
“A ideia principal deles, nesta fundação, é que você interaja com os outros que estão ali”, disse o Sukorski que conheceu e ficou amigo de vários outros compositores, escritores e artistas plásticos. Entre eles, a renomada cantora e compositora norte- americana de música contemporânea Joan La Barbara.
La Barbara, 68, além de ter sido aluna da soprano norte-americana Helen Boatwright (1916 – 2010), tornou-se uma excelente cantora conhecida por suas habilidades vocais e técnicas extensivas. “O Cage escreveu música para ela”, disse Sukorski referindo-se ao compositor John Cage (1912- 1992). Cage não foi o único “faixa preta” que trabalhou com a cantora. Casada com o compositor minimalista Morton Subotnick, 82, além do marido, La Barbara já trabalhou com Philip Glass, 78; Larry Austin, 84; e o bailarino e coreógrafo Merce Cunningham (1919-2009).
Segundo Sukorski, o cotidiano no castelo era muito agradável. “Durante o dia você trabalha. Cada um tem seu estúdio. Eu acordava de manhã e corria cerca de oito quilômetros no bosque. Voltava, tomava um banho e trabalhava das sete da manhã às seis da tarde, almoçando no estúdio mesmo. Na verdade, foi mais uma ‘trip’ interna. Era um silêncio incrível, o lugar é lindo e feito para artistas. Feito para trabalhar”, contou o músico que toda noite participou de jantares formais ao lado de outros artistas. “A cada dia, propositalmente, sentávamos em lugares diferentes para interagirmos com novas pessoas. Depois do jantar, íamos para o Midnight Club, onde havia uma mesa com mais de cem licores e vários vinhos. Ali, reunimos uma turma da pesada, eu, a Joan e outros que jamais encontraria se não fosse lá.”
O TEMPO DE BERGSON
“Bergson é o cara. Ele tem um conceito de tempo diferente do tempo geométrico, contado em segundos, por exemplo. Para ele, a ideia de tempo é de duração, que ele chama “dureé” (duração em francês), que é um tempo de fluxo, com vários tempos simultâneos que apresentam algumas características particulares. Separei sete dessas características e as apresento com esse coro de 31 cantores. Haverá momentos na peça em que três andamentos diferentes acontecerão simultaneamente. Tudo sem maestro. Esse tempo do Bergson não é medido, mas vivido com múltiplas dimensões e vários tipos de cargas emocionais”, explicou Sukorski que tem o compromisso com a fundação de apresentar uma partitura com a música finalizada. “Não precisa ter uma apresentação, só a partitura. O legal é interessar as pessoas. Eu escuto a música em minha cabeça, as pessoas acham sacanagem”, disse rindo
Assista a seguir o vídeo gravado pelo Música em Letras, no apartamento do compositor onde ele toca um de seus instrumentos.