A Incrível História do Carlito Jazz

Carlos Bozzo Junior
(Fotomontagem: Carlos Bozzo Junior)
(Fotomontagem: Carlos Bozzo Junior)

A história de muitos grupos musicais brasileiros e de seus músicos são ideais para serem roteirizadas e virarem filmes. Entre vários roteiros prontos, existe a pouco contada saga do igualmente pouco conhecido Carlito Jazz, grupo instrumental de 1926, arregimentado pelo baterista paulista Carlos Bassifera.

O conjunto contava, além de Carlito, na bateria, com nada mais, nada menos do que Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga (1890-1974). Sim, o autor do famoso samba “Pelo Telefone”, que no grupo atacava de violão e banjo. Além dele, havia Sebastião Cirino (1902-1968), no trompete, e Augusto Vasseur (1899-1969), no piano. Completavam o grupo João Wanderley, no violino; Orosino, no saxofone; Zé Povo, no trombone; e Leonel, que substituiu o trombonista.

O pouco que se sabe é que a banda “causou”. Entre os hits do grupo estava a marcha “Pinta, Pinta, Melindrosa”, de Freire Júnior, e a embolada “Bombo-Bambo”, de Biundi e Antípola. Acompanharam, entre outros, a primeira atriz negra a aparecer em um longa (“Zouzou”, 1934), a vedete Josephine Baker (1906-1975), durante espetáculo na Grande Exposição Colonial de Paris, em 1930.

Baker trabalhou com madame Bénédicte Rasimi (1874-1954), que atuou no Teatro Lírico, no Rio de Janeiro, em 1926, junto a uma orquestra composta por músicos norte-americanos negros. Entre eles, o líder e percussionista Gordon Straight e Jonh Forester, no trombone. No clarinete e trompete, Paul, que mais tarde foi substituído pelo músico brasileiro Inácio Acioli (1880-1940), muito conhecido no começo do século XX. Em 1911, Acioli destacou-se quando participou de um duelo de pistons contra o famoso, e considerado o melhor trompetista da época, Luiz de Souza (?-1920), músico fundador da Banda do Corpo de Bombeiros de Anacleto de Medeiros (1866-1907). Em 1913, Acioli gravou na Odeon com a banda do 10° Regimento de Infantaria do Exército. É seu o solo de trompete na mazurca “Bela Bageense”, do compositor gaúcho Otávio Dutra (1884-1937). Com o grupo “Terror dos Facões” (na gíria da época, “facão” era um mau instrumentista), formado por Dutra, Acioli gravou a polca “Adelina”, de Casemiro Rocha (1880-1912).

Voltando ao Carlito Jazz, foi madame Rasimi, corista, diretora teatral e dona da companhia francesa Bataclan, quem convocou o baterista para arregimentar outros brazucas e formarem o grupo. O intuito era excursionarem com ela em São Paulo, Salvador, Recife e Europa. Assim fizeram, e em Paris, por intermédio do embaixador Sousa Dantas, a banda afrancesou seu nome para “Carlito et son Orchestre” tocando, entre outros, no cabaré “Palermo”. Ainda em 1926, Donga e Wanderley voltaram para o Brasil, desligando-se do grupo. Vários músicos gringos substituíram os brasileiros. Viajaram para a Itália e tocaram em Bolonha, Milão, Pisa, Turim, Veneza, Gênova, Roma e Nápoles.

Novamente em Paris, Carlito, Sebastião Cirino e Leonel interpretavam sucessos brasileiros no cabaré “Ermitage”. De lá, se estabeleceram por alguns anos na Turquia, onde em Constantinopla, atual Istambul, tinham como um de seus maiores fãs o presidente Mustafa Kemal Ataturk (1881-1937), o grande herói nacional e responsável pela ocidentalização do país. Voltaram para França e aí sim “atacaram” com Josephine Baker. Durante 14 anos, ficaram na Europa, tocando, entre outros lugares, no cabaré “Eve”, além do “Chez les Nudistes”, em Montmartre, Paris.

Com o início da Segunda Guerra, Carlito e sua trupe voltaram para o Brasil. Foram contratados pela rádio Ipanema, no Rio de Janeiro, em 1940, mas não por muito tempo, pois o grupo se dissolveu. Daí para frente, Carlito virou empresário de revistas teatrais antes de morrer, em 1956, como funcionário do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Carlito Jazz e o Bando da Lua são apenas alguns de vários grupos que o Brasil exportou com sucesso. A tradição assegura e a história não desmente: o Brasil produz ótimos músicos. Pena que não sejam valorizados como deveriam. Um dia, quem sabe? Afinal, como escreveu Millôr Fernandes (1923-2012), o Brasil é um país “condenado à esperança”.