São Paulo tem som do Peru, ao vivo, no “busão”
A caminho de uma entrevista a ser realizada para o Música em Letras, fui surpreendido, hoje, por volta das 9h10, dentro do ônibus da linha 6505-10 (Terminal Guarapiranga-Terminal Bandeira), com uma apresentação de música ao vivo.
Uma dupla de peruanos já estava posicionada bem no meio do assanfonado “Gonzagão” (ônibus articulado que lembra um fole gigante), quando embarquei no ponto Getúlio Vargas, no corredor da avenida Nove de Julho, com destino ao bairro do Campo Limpo, na capital.
Assim que o coletivo passou o túnel Nove de Julho, a dupla “atacou” os ouvidos dos presentes tocando duas flautas (uma doce e uma zamponha, conhecida por flauta pan de bambu) e um charango para interpretar hinos religiosos. Confesso que um desagrado imediato tomou conta de meus pensamentos. Afinal, que direito tem alguém de invadir meus ouvidos, sem permissão, logo de manhã, com uma música que não escolhi? Nenhum. Mas para meu espanto os passageiros que viajavam ao meu lado gostaram (assista vídeo, no final do texto).
A meu ver e ouvir, a paisagem sonora de São Paulo já tem poluição suficiente. A frota veicular da cidade carrega em si grande parte de responsabilidade sobre esta poluição, que agora se alastra para dentro dos veículos. Entretanto, o que chamo de ruído foi qualificado como música, e boa de ouvir, pelos usuários do transporte.
Sonho com o dia em que por meio de barreiras sonoras individuais- fones nem sempre são eficazes- possamos urbanizar sem sermos atingidos o tempo todo por ruídos ou músicas indesejáveis. Contudo, nem todos pensam assim.
O cobrador, que não quis se identificar, disse que nem sempre eles, os músicos, aparecem, mas quando tocam ninguém reclama, ele mesmo “curte”. “Tem muito carro. Ninguém pega, porque eles ficam pulando de um carro pra o outro. Eles ganham bem”, falou o cobrador que constatou, como o Música em Letras, que em 15 minutos de apresentação, os artistas amealharam R$50 com cinco CDs vendidos a R$10 cada, mais uma caixinha extra de quem queria contribuir com uma quantia menor, sem levar a “bolacha” para casa.
Um dos músicos, o que passa arrecadando o dinheiro, disse que fazem isso todos os dias, mas não deu mais informações sobre a rota que percorrem, o total de vendas ou quantos dias por semana fazem isso.
Em São Paulo muita coisa falta. Entre elas, um plano rígido de ação de controle de ruídos e bom senso. Bons tempos em que nos ônibus as frases “Não fale com o motorista” e “Proibido o uso de aparelhos sonoros” eram respeitadas.
No caso do som dos peruanos, o repertório era de hinários. Os instrumentos, acústicos. Fosse a banda Mantiqueira, João Bosco, Chico Buarque ou John Coltrane (1926-1967) ressuscitado seria diferente? Não.
Na opinião do Música em Letras, música tem lugar certo para ser veiculada. Caso contrário, corre o risco de não passar de ruído. Mas nem todos pensam assim. Coexistir com essa diversidade é a questão. Um aprendizado.
No final, até que gostei. Não do som, mas da matéria que aqui rendeu.
Obrigado irmãos sul-americanos. Como se dizia nos anos 1970: “Foi do peru”.
Assista vídeo abaixo do flagra do Música em Letras