A mina e a mulher

Carlos Bozzo Junior
(Foto: Carlos Bozzo Junior)
(Foto: Carlos Bozzo Junior)

O Música em Letras entende que para se escolher uma mulher deve-se usar os ouvidos e não apenas os olhos. Assim, escolheu para homenagear neste Dia Internacional da Mulher uma mina rara, bem cuidada, cheia de história, repleta de tesouros e detentora de beleza perene. Daquelas com quem você aprende, ri, namora, se surpreende ou apenas passa o tempo com ela, dentro dela. Vai embora e percebe que, agora, ela é quem está dentro de você, de sua mente, de seu peito e de sua alma. Como se não bastasse, ela tem na música e na cultura a razão de sua existência. Sim, sou apaixonado por ela, mas se você quiser também pode usá-la.

O nome dela? Discoteca Oneyda Alvarenga. Paulistana, completou em fevereiro 80 anos. Nasceu pelas mãos do parteiro e pai de Macunaíma, Mário de Andrade (1893-1945). Na ocasião, em 1935, à frente do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo e batizou-a de Discoteca Pública Municipal.

O nome atual é uma homenagem da prefeitura paulistana à mineira, Oneyda Paoliello de Alvarenga (1911- 1984), jornalista, poeta, ensaísta e folclorista brasileira e mulher exemplar. Oneyda chegou ainda moça em São Paulo, tinha 19 anos. Seu objetivo era cursar o Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Cumpriu-o e, em 1935, a convite do professor Mario de Andrade, tornou-se diretora da Discoteca Pública de São Paulo, aposentando-se em 1969. Colaborou muito nas investigações do mestre. Seu enfoque era etnográfico. Esteve em aulas onde os professores do assunto, na época, era o casal formado por outra grande mulher, Dinah Dreyfus (1911-1999), antropóloga e etnóloga, ou melhor, Dinah Lévi-Strauss, na época casada com o antropólogo e filósofo Claude Lévi-Strauss (1908-2009) até dele se separar, em 1945.

Sempre estudando e registrando o que o povo diz e canta de si mesmo, Oneyda Alvarenga tornou-se membro do Conselho Nacional do Folclore; do Comitê Executivo da Association Internationale de Bibliothèques, de Paris, e do International Music Council, de Londres, representando a América Latina. Ganhou prêmios. Escreveu livros, artigos, ensaios e deu palestras sobre música brasileira prestando serviço de grande importância ao folclore brasileiro. Organizou e publicou os trabalhos de Mário de Andrade depois de sua morte, entre outras mil coisas. A mulher era muito “raça” e adorava um “trampo”. Fez por merecer, e hoje a discoteca,verdadeira mina de preciosidades, leva seu nome.

A MINA

Inquieta, minha mina viveu em vários locais da capital (entre eles, no centro e no bairro da Lapa) até fixar endereço, desde 1982, no Centro Cultural São Paulo. Vasta em conteúdo e oferecida, dá gratuitamente a quem a procura prazer, entretenimento e sabedoria. Em suas entranhas há um enorme acervo composto por música popular, folclórica e erudita: de Raphael Rabello (1962-1995) a Johann Sebastian Bach (1685-1750), entre produções nacionais e estrangeiras. Tudo disponível para consulta e audição. Os discos de 78 rpm são por volta de 16 mil. Os de 33 rpm catalogados, por volta de 27 mil, além de CDs e partituras (cerca de 62 mil), em meio a periódicos e livros de música (cerca de 5 mil). A maioria dos discos lançados no Brasil em 78 rpm estão lá.

Entre seus curiosos tesouros, a mina abriga o registro de vozes de personalidades como a do maestro Camargo Guarnieri (1907-1993) e a do artista Lasar Segall (1891-1957). Leituras registrando pronúncias de diferentes partes do Brasil também estão no acervo. Quem as selecionou? O pernambucano e poeta Manuel Bandeira (1886-1968). Quer mais? A mina tem filmes produzidos pelo casal Dinah e Claude Lévi-Strauss em expedições realizadas no Mato Grosso, entre 1936 e 1938, além da famosa Coleção da Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938, idealizada e organizada por Mário de Andrade, que amealha vários registros de música e dança do Norte e do Nordeste do país. Isto tudo, em meio a outras várias coleções.

CIÚME ZERO E O MAPA DA MINA

Moderninha, a mina dá livre acesso a todos. Ela é minha, ela é sua, ela é nossa. Aceita qualquer um. Entre eles, pesquisadores, jornalistas e maestros de orquestras. Atrevida, parece dar conta de todo mundo, mas tem horário para atender. De terça a sexta, das 10h às 20h; sábados, domingos e feriados, exceto Carnaval e Páscoa, das 10h às 18h. Para audição, chegue uma hora antes do encerramento.

Em seu balcão de informações, disponibiliza quatro racks com toca-discos e CDs. Seus funcionários que os manuseiam, assim como as bolachas (vinil ou CD). Os discos têm seus sons direcionados a dois fones de ouvidos, fixados a quatro poltronas siamesas, cada uma de dois lugares. Um ao lado do outro, o “móvel imóvel”, dado seu tamanho e peso, possibilita que a audição (limitada a duas faixas ou dois discos) seja realizada por duas pessoas, ao mesmo tempo.

Há também o livre acesso onde o público manuseia discos e o toca-discos. São cerca de 200 LPs, disponíveis pendurados em uma arara. A diversidade é total. De Raul Seixas (1945-1989) a Georg Friedrich Haendel (1685- 1759). Basta ter cuidado com a agulha e com o disco. O controle é seu.

Os discos de 78 rpm estão digitalizados em CDs. As matrizes estão em grandes armários deslizantes, atrás do balcão, sem acesso para o público. Diferente deles, um arquivo de aço, com fichas de papel cataloga as preciosidades por nome de artista, compositor, gênero, música erudita e música popular. Tudo para facilitar as buscas. Você encontra, anota e solicitada ao atendente e ele põe o som na caixa, ou melhor, no fone.

Pesquisadores tem um set de uso exclusivo, mas é bom ligar antes para deixar o material separado e assim otimizar seu tempo. Caso você queira acessar o acervo histórico, agende pelo telefone 3397-4049 ou escreva para e-mailacervohistorico@prefeitura.sp.gov.br

Para a mina, vida longa. Para todas as mulheres, incluindo Oneyda Alvarenga, todo respeito e admiração!

Feliz Dia Internacional das Mulheres!