Magro deixou recheio gordo em música e letras
O livro “Vozes do Magro MPB4”, lançado em 2014 pela editora Bateia Cultura, traz, além de uma seleção de arranjos e discografia comentada por Antônio José Waghabi Filho (1943-2012), o Magro do grupo MBP4 , fatos, fotos, partituras, ensinamentos, revelações e muita emoção. Para a felicidade de quem gosta de boa música, acaba de ser lançada, pela Universal Music, uma compilação digital com os áudios de alguns de seus excelentes arranjos, disponíveis no endereço http://umusic.ly/VozesDoMagro .
O LIVRO
Desde que chegou em minhas mãos, o conteúdo deste livro mareja meus olhos e faz soar música em meus ouvidos (desculpe o lugar comum, mas é o que acontece), mesmo durante o silêncio de sua leitura. Já li e reli várias vezes suas quase 400 páginas. Não, não me canso. Talvez, até o decore um dia de tanto ler, tamanho o prazer. Por quê? Por várias razões. Entre elas, por ser um livro bem feito, bonito, real, verdadeiro, com informações precisas, didáticas, diretas da fonte e de grande relevância histórica. Todas colhidas pela cantora e viúva do Magro, Mônica Thiele Waghabi, pouco antes da morte deste magnífico arranjador e uma das pessoas mais afáveis, divertidas e musicais que conheci.
Contudo, o que mais chama a atenção nesta publicação é sua capacidade de ser uma verdadeira máquina do tempo. Tempo em que me incluo por ter vivido, assistido, ouvido e compartilhado só boa música. É mais ou menos assim: existo musicalmente por neste tempo ter existido.
Bem antes de minha existência, na casa de meus pais, discos do MPB4, Quarteto em Cy, Los Hi-Lo’s, Singers Unlimited, entre inúmeros outros, sempre se misturaram aos de gente que “já subiu” como Elizeth Cardoso (1920-1990), Moreira da Silva (1902-2000), Dorival Caymmi (1914-2008), Luiz Gonzaga (1912-1989), Jamelão (1913-2008), Ella Fitzgerald (1917-1996), Tom Jobim (1927-1994), Jacob do Bandolim (1918-1969), Nelson Gonçalves (1919-1998) e Baden Powell (1937-2000). Havia também, muita coisa de quem ainda, para nossa sorte, permanece por aqui como Chico Buarque, Gal Costa, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Milton Nascimento e Geraldo Vandré. Quando cheguei, em 1963, coexisti absorvendo parte desta variada trilha sonora, que rolava em nosso modesto apartamento. Com o passar do tempo, dei continuidade à tradição, mesclando lançamentos posteriores desses artistas aos meus discos de rock, choro, clássicos, barroco, jazz e efeitos sonoros (bizarro, mas ainda os adoro), formando uma enorme coleção de preciosidades. Quando parei de contar totalizavam cerca de 5 mil, entre vinis e CDs, a maioria só filé.
Entretanto, o MPB4 era um som onipresente. Rolava bastante não só em minha casa, mas na rua, na escola, no teatro, na TV, nas rádios e nas rodas dos bares, que desde cedo frequentei (o do Dagô, Bar do Alemão, hoje de propriedade do compositor Eduardo Gudin, então nem se fala…). Claro, os tempos eram outros, ou seja, “Bons Tempos, Hein?!”, como preconizava a frase da atriz Fernanda Montenegro que acabou virando uma peça musical criada por Millôr Fernandes (1923-2012), culminando em show e disco do quarteto.
COBRA DE VIDRO
Além do citado acima, fui a vários shows do MPB4. A alguns, repetidas vezes. No “Cobra de Vidro”, dirigido por Túlio Feliciano, em 1978, que reunia os caras do MBP4 e as minas do Quarteto em CY, com um time de músicos de primeira, devo ter ido a quase todas as apresentações no TUCA, em São Paulo. Lembro-me de que, além do som do violão de Luiz Claudio Ramos, tocando dele “5/6/65”, me apaixonei de maneira puramente adolescente por Cynara, enquanto o mundo babava por Dorinha Tapajós (1950-1989), uma das integrantes do quarteto, morta precocemente.
Segundo Magro,“a proposta do show, a mesma do disco, estava sintetizada no título ‘Cobra de Vidro’, título também de um livro de Sérgio Buarque de Holanda”, referindo-se à obra do historiador, lançada pela Livraria Martins Editora, em 1940. Ainda segundo o maestro, eles decidiram usar este nome depois que Chico Buarque enviou para eles o significado de cobra de vidro. “Na verdade, cobra de vidro não era uma cobra era um lagarto, alguma coisa assim, que podia ser partido em vários pedaços que depois se recompunham”, explica Magro no livro, deixando claro que a proposta do espetáculo era subdividir o MPB4 e o Quarteto em Cy em várias formações. Entre elas, em trio (cantando “Oriente”, de Gilberto Gil, com um excelente arranjo de Ramos), quarteto (cantando “Amor Amor”, de Sueli Costa e Cacaso, com arranjo do Magro), quinteto e octeto (“Noites Cariocas”, de Jacob do Bandolim, outro arranjo de Ramos, no qual as oito vozes assumem o papel de um grupo de choro; “Because”, de John Lennon e Paul MacCartney, outro arranjo do Magro em que as vozes cantavam a melodia e dobravam a base da guitarra; e “Fuga” da “Bachiana n° 8”, de Villa-Lobos).
Nesse show, houve a estreia de “Angélica”, resultado da parceria de Chico Buarque e Miltinho do MPB4, dedicada a Zuzu Angel (1921-1976), estilista, que teve o filho Stuart Angel Jones (1946- 1971), torturado e morto durante o regime militar. Entre outras pérolas havia “A Estrada e o Violeiro” de Sidney Miller (1945-1980), a quem devo direito autoral e agradeço por ter me auxiliado a tirar excelentes notas em redações de português ao surrupiar parte de sua letra e assumir, sem vergonha alguma, ser o autor legítimo do diálogo afanado. Depois disso, fiquei craque e passei a ter parcerias, por vários anos, em redações escolares, com Milton Nascimento, Chico Buarque, Caetano Veloso e o escambau, sempre com êxito absoluto nessas apropriações indevidas.
Pronto falei, ufa!
Agora, leia o livro “Vozes do Magro MPB4” e ouça os arranjos direto da fonte em http://umusic.ly/VozesDoMagro