Ela canta em shopping e é feliz
Começa amanhã (6) mais uma temporada da cantora e compositora paulistana Anabel Bian, 38, no shopping Interlagos, na zona sul da capital. Há quatro anos, a cantora, que tem dois discos gravados, canta na praça de alimentação do local. Sua voz disputa o som de batatinhas e hambúrgueres, entre outros alimentos, sendo consumidos pelo público. O show rola em meio a pedidos, falas, gritos, conversas, assobios e crianças brincando, entre ruídos de talheres e pratos sendo empilhados. Tudo sem o glamour de estar sobre o tablado do palco de um teatro, com o “nomão” no cartaz da entrada.
Contudo, a artista gosta do que faz e, ao contrário de quem pensa que esse é um trabalho menor, ela se orgulha dele. “Não me incomodo com ruído ou pedidos, pois sei que ali a proposta é essa. Em um teatro não gosto nem que falem comigo, até tosse me incomoda, mas no shopping é outra coisa. Crianças, por exemplo, adoram me assistir.”
O Música em Letras esteve com Anabel Bian no parque da Água Branca, na zona oeste da capital, e a entrevistou, além de registrar uma de suas composições a capela, em vídeo (veja no final do texto). A cantora soltou a voz em meio a árvores, sabiás, periquitos, galos, patos, marrecos, galinhas e pintinhos, mas não ficou livre de intromissões sonoras, pois alguns galos deram uma canja, possivelmente atraídos pela boa música.
A seguir, descubra que Anabel Bian é um nome inventado pela artista pisciana, e aproveite para se reinventar, deixando de lado o preconceito de achar que cantar em shopping é tarefa fácil e, por isso, um trabalho musical menos importante.
GÊNESE
Anabel Bian é irmã de Frã Finamore, músico que toca violão, guitarra e compõe. Bian é filha de Toros Kharmandaian e Elizabeth Franchini, uma das três filhas do músico Octávio Franchini (1919-2007), trombonista e saxofonista que atacou nas orquestras de Silvio Mazzuca (1919-2003) e Simonetti (1924-1978).
A cantora lembra de algumas histórias contadas pelo avô, que por ter tocado no corpo musical da polícia militar era requisitado para atuar em várias orquestras, entre as já citadas, incluindo a de Osmar Milani. “Não cheguei a vê-lo tocar. Ele foi trabalhar na farmácia do irmão e deixou a música de lado”, disse a neta.
O pai de Bian, coronel militar reformado da polícia militar, quando estava na ativa tocava piano em casa e tinha vários discos. Entre eles, o LP da trilha sonora do filme Xanadu (1980), com a cantora e atriz Olivia Newton John. “Eu colocava uma fantasia, me transformava, ouvia e dublava todas as músicas, todos os dias, como se eu fosse a Olivia Newton John”, falou a cantora.
O pai se separou da mãe e mudou-se de São Paulo para a Ilha Comprida, no litoral sul, onde a filha passou a ter contato com a música como forma de lazer. “Sempre passei férias lá e acabei fazendo amizade com músicos amadores locais”, disse a artista que na ocasião tinha 15 anos e participava de luaus na praia desfilando um repertório de pop rock, além de MPB. Tudo por meio das manjadas revistinhas “Violão e Guitarra”, conhecidas como “Vigu”, sucesso absoluto em acampamentos e em rodinhas familiares de música e de botequins do final dos anos 1970 e início dos 1980.
A constante ausência de quem tocasse um violão fez com que a garota aprendesse o instrumento. “Queria que tivesse o luau a qualquer preço, eu adorava e sem violão não dava. Por isso, resolvi aprender e pedi um violão que ganhei de presente de minha mãe e de minha tia que o compraram na Casas Bahia. Era um Giannini Estudo, básico”, disse rindo Bian que na banca de jornal adquiriu um monte de “Vigus” e com a publicação se tornou autodidata.
A primeira música que Bian “tirou” da publicação- precária em registrar acordes e letras de maneira correta- foi “Asa Branca”, sucedida por várias outras do grupo Legião Urbana e do baiano Raul Seixas (1945-1989). Entre elas, “Por Enquanto” do grupo brasiliense e “Sociedade Alternativa” do roqueiro baiano.
ESTUDOS SEM MÚSICA
Bian frequentou o jardim de infância Pichotinho, escola particular do Jardim Bonfiglioli, na zona oeste da capital. Depois, na mesma região, a artista cursou o primário na EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Tarsila do Amaral, instituição na qual sua mãe era professora. “Nunca fui sua aluna. Era aluna das colegas dela e mais cobrada por ser sua filha”, disse Bian que foi transferida, ainda no segundo ano do primário, para outra EMEF, a Julio Mesquita, no Jardim Bonfiglioli, onde estudou até a oitava série. Após se formar, a cantora ingressou no colégio Stella Maris, no bairro de Pinheiros, onde cursou o magistério. “Por todo esse período tive pouquíssima instrução musical. Apenas um pouco de educação musical infantil para ensinar as crianças no magistério, mas muito direcionado a como dar a aula, como ensinar, e não como cantar, por exemplo.”
CORAL DA USP
Após três anos tocando e cantando em luaus e em casa, e ainda cursando o magistério, um amigo da cantora ingressou no Coral da USP e a convidou para conhecer o grupo. “Eu morava perto da USP, nem sabia do que se tratava o coral, mas fui só para fazer companhia e acabei ficando por dois anos lá”, disse a mezzo soprano. “A princípio era contralto, porque era mais tímida. Depois, fui descobrindo meus agudos, mas nunca cheguei aos agudos de uma soprano, também nunca me aprofundei nisso.”
Bian deixou o Coral da Usp por achar que não havia mais o que aprender. “Enjoei. Ali não havia mais o que aprender e não era mais o que eu queria fazer, além de tomar muito meu tempo, pois eram três vezes por semana. Queria me dedicar ao meu trabalho.”
BARES
A artista ganhou seu primeiro cachê- R$108- aos 25 anos, em um bar na Vila Madalena, o Kingston. “Hoje, não existe mais esse bar. Há uma farmácia no local. Era na esquina da Inácio Pereira da Rocha com a Mourato Coelho. Fiz muita happy hour lá, cantando MPB, acompanhada de um guitarrista”, falou a cantora que nunca se apresentou tocando guitarra ou violão por não se sentir segura para desempenhar a função. “Toco só entre amigos. Prefiro ser acompanhada por quem sabe. Cada um no seu quadrado.”
Bian tocou em outros bares paulistanos. Entre eles, o Maria Santa, na rua Girassol, também na Vila Madalena. “Cantei muito nesse bar, toda semana. Nesse lugar, sempre cantava acompanhada de um violão e uma percussão”, disse Bian que interpretava um repertório repleto de MPB, pop e rock. Entre as músicas, “Luz dos olhos”, canção de Nando Reis imortalizada por Cássia Eller (1962-2001); “À Francesa”, de Claudio Zoli e Antônio Cícero, irmão de Marina Lima que a gravou; “Chão de Giz”, de Zé Ramalho; e “A Noite do Prazer”, de Zoli.
Em um restaurante de Moema, Bian se apresentava aos sussurros. “Não podíamos cantar nada alto por conta da proximidade da vizinhança. Embora fosse voz e violão, comigo cantando baixinho, o gerente pedia sempre para abaixarmos o som. Chegamos a desligar a mesa de som, e o cara insistia para abaixarmos mais ainda o volume”, contou rindo a artista que interpretava, além de músicas de Djavan, outras internacionais como “Whith or Without You” e “I Still Haven’t Found What I’m Looking”, as duas do U2; “Have You Ever Seen the Rain”, canção escrita por John Fogerty e lançada, em 1970, pela banda norte-americana Creedence Clearwater Revival; “Too Many Tears”, de David Coverdale e Adrian Vandenberg, ambos da banda inglesa Whitesnake; além de “Tears of the Dragon”, de Bruce Dickinson da banda Iron Maiden. “Essas músicas nunca saíram do meu repertório.”
Vários eventos em clubes e festas em sítios também contaram com shows da artista que acredita fielmente na letra de “Nos bailes da vida”, de Milton Nascimento e Fernando Brant (1946-2015), que diz “todo artista tem que ir aonde o povo está”.
NOME ARTÍSTICO
Segundo Anabel, seu nome de batismo, Andressa, é difícil de as pessoas acertarem. “Confundem com Vanessa, Alessandra e Andreza.” Por isso, Andressa resolveu modificá-lo: “Vi uma reportagem de uma menina que havia se perdido chamada Anabel. Eu nunca tinha escutado esse nome, queria um nome original, que não fosse comum e achei Anabel supermusical”, contou Bian que resolveu adotá-lo artisticamente em sua primeira composição. “O Bian surgiu pela sonoridade da palavra, além de ter o “ian” de meu sobrenome Kharmandaian”, falou a compositora que é chamada por muitos de Ana ou de apenas Bel.
Perguntada se verificou a sorte atribuída a esse nome, a artista disse que sim, mas que tardiamente. “Eu deveria ter levado o nome para ser avaliado antes, mas agora já foi. Pela numerologia eu deveria ter acrescentado mais um ‘n’ no Bian ou no Ana, para trazer sorte”, falou a cantora que consultou a tia, uma numeróloga famosa que atende artistas, mas que Bian não revela quem é. “Já tinha lançado um site e um CD com o nome sem o duplo ‘n’ e daria muito trabalho mudar. Acho que a sorte vem mais com a energia que colocamos no trabalho do que nas letras do nome, embora possa ter algum sentido.”
MÚSICOS
Bian disse que ao identificar músicos preconceituosos, principalmente os que a qualificam de “canário”, desrespeitando-a, opta por não trabalharem juntos. “Já senti isso, e dispenso pessoas assim. Se não há respeito entre as pessoas do time, não tem jogo. Apesar de não ter uma formação teórica forte em música, sei me expressar, mas há músicos que não suportam isso e querem se impor por meio de um discurso técnico, só para mostrar que sabem mais do que quem está cantando. Eu dispenso isso totalmente.”
Acompanhando a cantora nas apresentações do shopping está o excelente pianista e maestro Alex Frontera, que, entre outras, acompanhou a cantora brasileira Leny Andrade, a norte-americana Gloria Gaynor, além de Billy Paul (1934-2016). O músico trabalhou muito tempo no exterior; só no Japão passou 14 anos. “Nos entendemos muito bem. O Alex é um supermúsico e respeita meus limites.”
CANTAR NO SHOPPING
As apresentações no shopping têm três entradas- duas de 45 minutos e uma de meia hora- que Bian e Frontera realizam das 19h às 21h30, na praça de alimentação. Não há um setlist, a cantora vai soltando aos poucos algumas das 50 músicas de seu repertório, de acordo com o clima que sente na hora. A maioria MPB, além de alguns clássicos internacionais. Perguntada qual o hit que não pode faltar, respondeu: “Alguma do Djavan. As pessoas gostam e pedem. Sempre tenho que cantar uma música dele, não tem jeito, e canto ou ‘Te Devoro’ ou ‘Flor de Liz’. Tem gente que por já me conhecer e ao meu repertório vai lá só pra assistir”.
A artista também não consegue ficar sem interpretar “Quando a Chuva Passar”, canção de Ramón Cruz, gravada por Ivete Sangalo, no seu quinto disco “As Supernovas” (2005), e que esteve na trilha sonora das novelas “Cobras & Lagartos” e “Escrito nas Estrelas”, dessa vez na voz de Paula Fernandes.
Registrada pela voz de Roberto Carlos, Bian sempre canta “Outra Vez”, de Isolda, música de letra comprida e sem refrão, sucesso desde 1977, quando lançada no disco do rei. “Emoções”, canção composta por Roberto e Erasmo, lançada em 1981, também não sai de moda, e Bian sempre atende aos pedidos para executá-la.
Nem Ipad, nem celular. A cantora utiliza as boas e velhas pastas de plástico- cerca de seis-, para reunir as músicas de seu vasto repertório. “Não me adapto a essa tecnologia. Prefiro as pastas, mas não carrego todas. Quando me apresento, levo umas quatro. É um peso grande, é ridículo”, disse rindo a cantora que é acompanhada pelo pianista que tem tudo na mente. “Ele é impressionante. Sabe tudo de cor. Não carrega nada. Há três anos tocamos juntos, no shopping há dois anos, e ele nunca precisou ler uma partitura.”
No repertório da apresentação, além de músicas autorais de Bian, clássicos internacionais e da MPB, além de uma versão do pianista Alex Frontera da música “Não Existe Amor em SP”, de Criolo; “Estampa e só”, de Verônica Ferriani; e “Zero”, de Liniker.
A MAIOR LIÇÃO
Cantar em shopping também proporcionou uma lição a Bian: “A maior de todas foi não ter preconceito de cantar em shopping. Muitos colegas de trabalho dizem que devo mudar os lugares onde me apresento, mas não o faço por não ver problemas com relação a isso. Aliás, quero deixar claro que as pessoas que estão em um shopping também são um público e esse público gosta de música. O trabalho é digno e prazeroso. As pessoas reclamam muito do cenário musical, mas no shopping é mais uma oportunidade de fazermos música boa, como os clássicos da MPB, com respeito à música. Muitos jovens frequentam esses espaços e acabam tendo contato com essa música pela primeira vez e isso já vale . Somos muito bem recebidos por essas pessoas que passam a se interessar mais por essas músicas e buscam, depois de ouvi-las, se aprofundar nelas. Esse trabalho é muito importante e nunca quero parar de fazê-lo, mesmo se eu já estiver cantando em outros lugares como estádios ou teatros. Muita gente se emociona e chega até nós chorando depois nos escutar. Acho isso lindo, pois as pessoas estão ali, comendo ou simplesmente comprando, e de repente são atingidas por emoções fortes ocasionadas por músicas. Isso é lindo e sermos parabenizados, como sempre somos, por isso é demais. Adoro.”
Segundo Bian, ela sempre agrada o gosto do enorme público rotativo da praça de alimentação e nunca sofreu críticas por parte dos frequentadores do local. Quando a artista não sabe uma música solicitada, direciona o pedido pelo estilo e sugere outra similar. “Sempre funciona, não menosprezo nenhum pedido.”
Mignon, com belos olhos azuis, Bian disse só receber elogios, e que nunca foi assediada pelos frequentadores do shopping. “Dizem que sou bonita, comentam sobre meus olhos, mas sempre falam sobre como canto bem, bonito e da qualidade de minha voz. Sou muito respeitada nesse aspecto. Adoro o que faço e acho que isso impõe um certo respeito.”
CDS
O primeiro CD de Anabel Bian é “Adição” (2008), disco independente, com 12 faixas, quatro de sua autoria. Entre elas, “Roots”, com uma pegada MPB pop à la Ana Carolina. A composição versa sobre a história de uma menina da capital que se relaciona com um garoto do interior; e “Caçambinha”, que traz a história do término de um namoro e que mostra a forte influência exercida pelo samba na vida da artista. “Saí de bares cantando de tudo, samba, reggae e pop rock. Por imaturidade de não ter ainda um estilo a ser seguido e pelo fato de eu cantar de tudo um pouco, trouxe tudo isso para esse disco. Então, ele é uma adição de gêneros musicais diversos.”
O segundo disco da artista é “Sinais Vitais” (2013), também independente, traz dez faixas com pegadas de MPB, rock pop e étnico. Entre as faixas “Seção 32”, de Vander Lee (1966-2016); “Por um Triz”, de Kléber Albuquerque, além de “Pilhas”, “Pequeno Manual” e “Sinais Vitais”, as três de Anabel Bian. “Nunca podemos dizer que já estamos prontos. Sempre temos algo para acrescentar e aprender. Neste disco, há uma busca da minha identidade musical, que fez com que eu me apegasse muito mais às letras e aos seus significados.”
Boa oportunidade para ouvir, em meio ao ruído, músicos talentosos contribuindo muito mais do que com uma simples música de fundo.
ANABEL BIAN E ALEX FRONTERA
QUANDO Dias 06, 13, 20 e 27 de janeiro, das 19h às 21h30
ONDE Shopping Interlagos, na praça de alimentação, av. Interlagos, 2255 – Interlagos, São Paulo, tel. (11) 3471-8888
QUANTO Gratuito